A impenhorabilidade do bem de família dado em garantia real de dívida em prol de pessoa jurídica

O bem de família é aquele protegido por lei com o benefício da impenhorabilidade, em prol do direito fundamental à moradia da família e de seus componentes, por força do art. 1º da Lei n.º 8.009/90.

 

Por dedução lógica, tem-se que a proteção do bem de família destina-se à tutela da entidade familiar e, por esta razão, a família não deve ser encarada como instituição, mas sim como instrumento de promoção da dignidade de cada membro. Assim, tem-se que referido instituto fundamenta-se tanto em relação ao direito à moradia como também em relação à proteção à família e, sobretudo, à dignidade da pessoa humana.

 

Ao dispor sobre a impenhorabilidade do bem de família, a Lei nº 8.090/90 normatizou a proteção à moradia da família, haja vista tratar-se de direito assegurado constitucionalmente, com proteção especial. Corroborando o disposto no art. 832, do CPC, cuja disciplina diz que não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis.

 

À vista disso, por força da redação do art. 1º, da Lei nº 8.090/90, o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida, razão pela qual não se pode levar a cabo a penhora de imóvel familiar.

 

Convém sobrelevar que a Lei nº 8.090/90, em seu art. 3 º, traz em seu bojo algumas exceções. Aqui, sobreleva-se a hipótese insculpida no inciso V, do qual extrai-se que a impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar.

 

Importa registrar, contudo, que a “execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar” somente atinge os bens que foram dados em garantia de dívidas contraídas em benefício da própria família. Desta feita, se a garantia for instituída em favor de terceiros, como a favor de pessoa jurídica da qual o garantidor faça parte, o bem continua protegido pelo benefício da impenhorabilidade.

 

Isto porque, a pessoa jurídica não se confunde com a pessoa física do executado, na forma dos arts. 49-A e 980, § 7º, do Código Civil. Outrossim, conforme entendimento jurisprudencial pacífico do Superior Tribunal de Justiça, quando a hipoteca é dada pelo sócio em garantia de crédito outorgado a pessoa jurídica, o bem destinado à moradia do sócio mantém-se sob a proteção legal.

O STJ tem entendido que o fato de o imóvel ser um bem de família tem demonstração juris tantum, isto é, goza de presunção relativa. Desta feita, compete ao credor provar que o imóvel não preenche os requisitos para gozar do benefício legal, haja vista que é vedada a presunção de que a garantia real fora prestada em benefício da própria entidade familiar.

 

A fim de pacificar referido tema, o STJ, através do informativo de jurisprudência nº 493, destacou a tese jurisprudencial firmada pelos órgãos julgadores da Corte Superior nos acórdãos a respeito da impenhorabilidade do bem de família quando a hipoteca foi constituída em garantia de dívida de terceiro. Confira-se:

 

IMPENHORABILIDADE. BEM DE FAMÍLIA.

A exceção prevista no art. 3º, V, da Lei n. 8.009/1991, que deve ser interpretada restritivamente, somente atinge os bens que foram dados em garantia de dívidas contraídas em benefício da própria família. No caso, a hipoteca foi constituída em garantia de dívida de terceiro, o que não afasta a proteção dada ao imóvel pela lei que rege os bens de família. Precedentes citados:REsp 268.690-SP, DJ 12/3/2001; REsp 1.022.735-RS, DJe 18/2/2010, e AgRg no AgRg no Ag 1.094.203-SP, DJe 10/5/2011. REsp 997.261-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 15/3/2012.

 

Logo, deve-se verificar se o crédito, objeto da garantia, reverteu-se em benefício da família do garantidor, visto que a pessoa jurídica não se confunde com a pessoa dos seus sócios e o benefício econômico não se presume, de modo que o ônus da prova compete ao credor.

 

Nessa guisa, impende destacar a orientação pacífica do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema:

 

PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. BEM DE FAMÍLIA OFERECIDO EM GARANTIA HIPOTECÁRIA PELOS ÚNICOS SÓCIOS DA PESSOA JURÍDICA DEVEDORA. IMPENHORABILIDADE. EXCEÇÃO. ÔNUS DA PROVA. PROPRIETÁRIOS. 1. O art. 1º da Lei n. 8.009/1990 instituiu a impenhorabilidade do bem de família, haja vista se tratar de instrumento de tutela do direito fundamental à moradia da família e, portanto, indispensável à composição de um mínimo existencial para uma vida digna, ao passo que o art. 3º, inciso V, desse diploma estabelece, como exceção à regra geral, a penhorabilidade do imóvel que tiver sido oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar. 2. No ponto, a jurisprudência desta Casa se sedimentou, em síntese, no seguinte sentido: a) o bem de família é impenhorável, quando for dado em garantia real de dívida por um dos sócios da pessoa jurídica devedora, cabendo ao credor o ônus da prova de que o proveito se reverteu à entidade familiar; e b) o bem de família é penhorável, quando os únicos sócios da empresa devedora são os titulares do imóvel hipotecado, sendo ônus dos proprietários a demonstração de que a família não se beneficiou dos valores auferidos. 3. No caso, os únicos sócios da empresa executada são os proprietários do imóvel dado em garantia, não havendo se falar em impenhorabilidade. 4. Embargos de divergência não providos.

(EAREsp 848.498/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25/04/2018, DJe 07/06/2018)

 

Verifica-se, pois, duas teses, a primeira de que o bem de família é impenhorável, quando dado em garantia real de dívida por um dos sócios da pessoa jurídica devedora, cabendo ao credor o ônus da prova de que o proveito se reverteu à entidade familiar, e a segunda de que o bem de família é penhorável, quando os únicos sócios da empresa devedora são os titulares do imóvel hipotecado, cabendo prova em contrário de que a família não se beneficiou.

 

Posto isso, denota-se que, em regra, o bem imóvel dado em garantia em prol de pessoa jurídica é impenhorável, haja vista que somente é possível a penhora de bem de família dado em garantia hipotecária quando houver o proveito dos valores auferidos pela família, de modo que modula-se o ônus da prova, a depender da situação fática posta.

 

Publicado por:

Dra. Mariana Vitor – OAB/GO – 60.182

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