A inteligência artificial e a responsabilidade civil dos gestores de sociedades

A inteligência artificial é usualmente compreendida a partir das características como autonomia, habilidade social e cooperação, proatividade e reatividade, de modo que estes atributos visam indicar a aptidão de algoritmos à atuação sem ou pouca intervenção humana, em interação tanto reativa quanto proativa com o ambiente e com outros agentes (humanos ou não).

Fala-se na utilização da inteligência artificial em diferentes áreas de uma empresa: desde o marketing, havendo a análise de padrões de comportamentos para a realização de campanhas publicitárias, até a opção de decidir com quem contratar ou como e onde investir, isto é, algoritmos que dizem, com base em dados, qual a melhor parceira para fazer negócios ou quais negócios valem o risco.

Ao tratar da administração de sociedades limitadas, o Código Civil não trata especificamente da responsabilidade civil dos administradores (CC, arts. 1.060 a 1.065). Assim, é necessário o recurso às normas das sociedades simples ou, conforme o caso, às normas da Lei das SAs, tendo em vista que o art. 1.053 do Código Civil determina que as sociedades limitadas regem-se pelas normas das sociedades simples, salvo se o contrato social prever a regência supletiva pelas normas da sociedade anônima.

O art. 1.016 do Código Civil prescreve sobre a responsabilidade civil de administradores de sociedades, ao dispor que “os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções”. Ao prever que o fundamento geral da responsabilidade dos administradores de sociedades é o ato ilícito, fundado na culpa, o Código Civil não distancia da prescrição de responsabilidade civil prevista no art. 158 da Lei das SAs.

É importante ressaltar que o art. 158 da Lei das SAs não destoa do art. 1.016 do Código Civil, pois, para efeitos de responsabilidade, o que importa é a existência de culpa, seja quando o administrador age dentro de suas atribuições, seja quando age com violação à lei ou aos atos constitutivos.

Revela notar, ainda, que os deveres de lealdade e diligência ocupam papel central para a configuração da culpa na ação dos administradores de sociedades empresárias. O dever de lealdade tem como desdobramentos a vedação ao conflito de interesses e à expropriação do patrimônio da pessoa jurídica, de modo que aqui será priorizada a análise do dever de diligência. Já o dever de diligência está descrito no art. 1.011 do Código Civil, cuja regra é semelhante à do art. 153 da Lei das SAs.

Em razão disso, o administrador poderá ser responsabilizado por violar o dever de diligência, inerente à culpa in eligendo pela escolha da tecnologia. O dever de diligência impõe ao administrador o dever de agir bem informado, nem que tenha que consultar especialistas sobre assuntos específicos ou que apresentem dificuldades ou controvérsias adicionais. Porém, mesmo nessas hipóteses, a responsabilidade pela decisão é sempre do administrador, a quem cabe avaliar não apenas a escolha do expert, como também se o resultado do trabalho deste pode ser considerado razoavelmente confiável.

Desse modo, não se pode afastar a responsabilidade pessoal do administrador de sociedade empresária por danos decorrentes de sistemas de inteligência artificial em razão da culpa in eligendo pela escolha da tecnologia. A partir do momento em que o administrador delega parte dos processos decisórios da sociedade empresária para um sistema de inteligência artificial, o mínimo que se espera é que tenha agido com prudência e cautela na escolha do sistema.

Da mesma forma, o administrador de sociedade empresária também poderá ser responsabilizado por violar o dever de diligência, inerente à culpa in vigilando pela ausência de monitoramento da tecnologia ou pela sua má utilização, pois não basta o administrador ser diligente na escolha do sistema, ele também tem que ser diligente igualmente no acompanhamento do sistema.

 

Publicado por:

Dr. Maurício Alves de Lima – OAB/GO 17.431

Sócio do Escritório Skaf e Lima Advogados Associados

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