A Lei do superendividamento está em vigor.

Introdução

 

Entrou em vigor dia 1 de julho de 2021 a Lei nº 14.181/2021, conhecida como Lei do Superendividamento, que alterou o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e incluiu diversas mudanças para cominar hipóteses de prevenção e tratamento de superendividamento. Neste texto serão abordadas as principais mudanças trazidas pela mencionada Lei.

A nova lei acrescentou dois novos princípios a serem observados pela Política Nacional das Relações de Consumo. Esses princípios estão no artigo 4º, incisos IX e X do CDC, e dizem respeito à educação financeira e ambiental do consumidor e a prevenção e tratamento da situação de superendividamento.

A novel legislação adicionou novos direitos básicos do consumidor, estes estampados no artigo 6º, incisos XI, XII e XIII do CDC. Trata-se de garantias de práticas de crédito responsável, prevenção ao endividamento, repactuação de dívidas com preservação do mínimo existencial e direito à informações de preço por unidade de medida.

Também há agora duas novas previsões de hipóteses de cláusulas abusivas que serão nulas de pleno direito caso estejam em algum contrato de relação de consumo. Essas hipóteses estão no artigo 51, incisos XVII e XVIII do CDC. Servem para facilitar o acesso do consumidor ao Poder Judiciário e coíbe fornecedores de criarem embaraços injustificados para consumidores que atrasam prestações mensais, ou que ingressam com alguma medida de repactuação de dívidas.

A principal alteração trazida pela nova Lei foi a criação de um novo capítulo no Código de Defesa do Consumidor para tratar especificamente sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento. Do artigo 54-A até o artigo 54-G do CDC, constam regras sobre as novas obrigações dos fornecedores de crédito e em vendas à prazo, vedações a certas condutas publicitárias, dever de fornecimento de informações e esclarecimentos, hipóteses de contratos conexos e coligados, dentre outras previsões.

Outra inovação é o instituto da conciliação no superendividamento. A Lei 14.181/2021 instituiu o procedimento da conciliação para que o consumidor pleiteie via Poder Judiciário o processo de repactuação das dívidas que se encaixam no conceito da nova Lei, com vistas a realização de uma audiência de conciliação com a presença de todos os credores do consumidor endividado. Esse procedimento está previsto nos artigos 104-A a 104-C do CDC.

Abaixo, serão minuciados cada um desses assuntos trazidos pela novidade legislativa.

 

Novos princípios da Política Nacional das Relações de Consumo

 

Pesquisas recentes[1] demonstraram que o percentual de famílias brasileiras endividadas em 2021 chega a 70% (setenta por cento), o maior índice desde 2010. Tal percentual de endividamento está intimamente ligado à pandemia de coronavírus que desestabilizou a vida financeira de centenas de milhares de brasileiros.

De Iniciativa do Congresso Nacional a lei do Superendividamento cria instrumentos para minimizar essa crise de inadimplemento que se instalou no país.

Um desses instrumentos é a positivação de princípios. A Lei nº 14.181/2021 positivou o princípio do fomento à educação financeira e ambiental dos consumidores e o princípio da prevenção e tratamento do superendividamento como forma de evitar a exclusão social do consumidor.

Esses princípios são autoexplicativos, eles incubem ao Poder Público o dever de propiciar meios para que os consumidores possam ter mais acesso à informação, à educação financeira, de forma a estimular o consumo consciente e o respeito ao meio ambiente. A prevenção ao superendividamento passa necessariamente pela educação financeira e o tratamento ao superendividamento são os mecanismos a serem criados para ajudar as pessoas físicas endividadas a tomar o controle novamente da vida financeira e garantir a elas um mínimo de dignidade.

 

Os direitos básicos do consumidor que foram acrescidos pela nova Lei

 

A Lei nº 14.181/2021 acrescentou ao artigo 6º do CDC os incisos XI, XII e XIII. Nesse referido artigo consta o rol dos direitos básicos do consumidor já positivados desde 1990. Incluiu-se nesse rol as seguintes garantias aos consumidores:

  • – práticas de crédito responsável
  • – educação financeira
  • – prevenção e tratamento de situações de superendividamento.
  • – preservação do mínimo existencial na concessão de crédito, na revisão e na repactuação de dívidas
  • – informação acerca dos preços dos produtos

A garantia de prática de crédito responsável significa que os fornecedores de crédito a partir da nova Lei não podem mais fornecer crédito a um consumidor já endividado e que claramente não tem condições de suportar um novo ônus financeiro.

A educação financeira do consumidor como direito básico, significa que o Estado e a Sociedade de alguma forma deverão providenciar meios para que os consumidores tenham acesso à informação de qualidade sobre produtos, serviços, receitas, despesas, poupança, cartões de crédito, empréstimos, operações e contratos bancários e investimentos; informações necessárias para que as pessoas busquem o equilíbrio financeiro.

A prevenção e o tratamento de situações de superendividamento como direito básico, cria ao consumidor o direito subjetivo de usufruir dos mecanismos criados pela lei para superar a crise de inadimplemento, desde que cumpram com os requisitos objetivos da Lei.

O direito de ter preservado o mínimo existencial na concessão de crédito, na revisão e na repactuação de dívidas, ainda é um assunto a ser regulamentado, conforme previsão da própria Lei. Porém, o intuito do legislador é garantir que o consumidor tenha uma parcela da renda assegurada para os gastos mínimos de subsistência, como alimentação, vestuário, saúde, transporte e educação/cultura. Busca-se evitar que o consumidor tenha toda a sua renda impactada pelo pagamento de dívidas ou encargos.

O direito à informação acerca dos preços de serviços e produtos como direito básico é a consolidação da obrigação dos fornecedores de informar e esclarecer os consumidores sobre todos os encargos financeiros que porventura incidirem sobre algum serviço, produto, contrato ou compra a prazo.

 

As novas previsões de hipóteses de cláusulas abusivas

 

Além das práticas consideradas abusivas já previstas no artigo 51 do CDC, a nova Lei incluiu novas modalidades de cláusulas abusivas que serão consideradas nulas de pleno direito, caso utilizadas contra consumidores. A partir dessa nova previsão legal, os fornecedores não podem inserir nos contratos cláusulas que limitem de qualquer forma o acesso do consumidor aos órgãos do Poder Judiciário. Nesse aspecto entende-se que a cláusula de arbitragem poderia ser considerada nula nesse contexto.

Também os fornecedores não podem mais estabelecer prazos de carência caso o consumidor atrase o pagamento de prestações mensais, e também os fornecedores não podem impedir o reestabelecimento integral dos direitos do consumidor a partir da purgação da mora ou do acordo com os credores. Isso serve para evitar que o consumidor não sofra represálias desproporcionais quando atrasar algum pagamento ou buscar a repactuação das dívidas.

 

A prevenção e o tratamento do superendividamento

 

A principal alteração que a Lei  14.181/2021 trouxe foi a questão da prevenção e do tratamento da situação de superendividamento. O conceito de superendividamento que a Lei traz é a manifesta impossibilidade de o consumidor, pessoa natural, de boa fé, pagar todas as dívidas de consumo, vencidas e vincendas, sem comprometer o mínimo existencial. Pessoas Jurídicas não podem se valer do disposto nessa Lei, nem ela se aplica ao consumidor de má-fé, aos contratos celebrados mediante fraude, à aquisição ou contratação de produtos e serviços de luxo de alto valor.

O conceito de dívida é entendido como qualquer compromisso financeiro assumido em decorrência de relação de consumo, operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada.

Os fornecedores de crédito, além das informações obrigatórias, a partir da nova Lei, devem informar o consumidor de forma prévia e clara sobre: o custo efetivo total, a taxa efetiva mensal de juros, taxa de juros de mora, total de encargos de qualquer natureza no caso de atraso no pagamento, o direito à liquidação antecipada e não onerosa do débito.

Além disso, os fornecedores de crédito estão proibidos de fazer ofertas que indiquem que o crédito será concedido sem consulta aos serviços de proteção ao crédito ou avaliação da situação financeira do consumidor como os fornecedores não podem ocultar os riscos da contratação do crédito ou da venda a prazo.

Há também a proibição de o fornecedor assediar ou pressionar o consumidor para contratar algo, principalmente se o consumidor for idoso, analfabeto, doente ou vulnerável, ou se a contratação envolver algum prêmio.

O fornecedor também é proibido de condicionar as requisições do consumidor à renúncia ou desistência de demandas judiciais ou ao pagamento de honorários ou depósitos judiciais.

A nova Lei exige que o Fornecedor além de informar adequadamente o consumidor sobre todos os custos e consequências da contratação do crédito, deve também avaliar as condições de crédito do consumidor de forma responsável, informar a identidade do financiador, e entregar a todos os envolvidos na operação uma cópia do contrato de crédito. Não será considerado crime a negativa de crédito motivada por superendividamento do idoso.

A lei prevê sanções para o descumprimento desses deveres como: – redução dos juros e encargos, – dilação do prazo de pagamento, – além de indenização por perdas e danos morais e/ou patrimoniais ao consumidor.

A Lei 14.181/2021 também prevê que os serviços de crédito quando fornecidos junto a produtos ou serviços, ou quando o crédito for oferecido no local de atividade empresarial de fornecedor de produto ou serviço financiado, serão considerados conexos, coligados ou interdependentes. Se o consumidor exercer o direito de arrependimento em relação ao contrato principal ou ao contrato de crédito ou qualquer deles for declarado inválido ou ineficaz, isso implicará a resolução de pleno direito de todos os contratos conexos. Essa regra também vale para consumidor contra o administrador ou emitente de cartão de crédito e contra o portador de cheque pós-datado emitido para aquisição de produto a prazo.

Outro ponto da Lei que os fornecedores de crédito devem levar bastante em consideração diz respeito à compras feitas via cartão de crédito que foram contestadas pelo consumidor. A lei determina que é proibido ao fornecedor proceder à cobrança ou ao débito em conta de qualquer quantia que houver sido contestada pelo consumidor, enquanto não solucionada a controvérsia. Para se valer dessa regra o consumidor deve notificar a administradora do cartão com antecedência mínima de dez dias do vencimento da fatura. O consumidor pode optar por pagar a parte não contestada e o fornecedor não pode inserir o valor contestado na fatura do mês seguinte.

Para os casos de utilização fraudulenta de cartão de crédito, o fornecedor não pode impedir ou dificultar que o consumidor peça e obtenha a anulação ou o imediato bloqueio do pagamento, ou ainda a restituição dos valores indevidamente recebidos.

Para os casos de empréstimo com liquidação via consignação em folha de pagamento, a formalização e a entrega do contrato só poderá ocorrer após o fornecedor do crédito obter da fonte pagadora indicação sobre se existe ou não margem consignável.

Essas regras em geral auxiliam o consumidor endividado e efetivamente previnem novas situações de endividamento visto que cria-se inúmeras obrigações aos fornecedores de crédito que passam a ter que adotar uma postura mais responsável e consciente em relação ao consumidor.

 

A conciliação no superendividamento

 

Por fim, a Lei 14.181/2021 traz a novidade da conciliação no superendividamento que muitos tem chamado de uma espécie de “recuperação judicial de pessoas físicas” em alusão ao instituto já previsto na Lei 11.101/2005 para empresas em dificuldades econômicas. Porém, a conciliação no superendividamento em muito difere da outra mencionada, pelo que se demonstrará a seguir.

O instituto da conciliação criado pela Lei do superendividamento é a possibilidade de a pessoa natural instaurar perante o Poder Judiciário um processo de repactuação de dívidas, com o objetivo de realizar uma audiência com a presença de todos os credores de dívidas, sendo que para isso o consumidor deve apresentar um plano de pagamento com prazo máximo de cinco anos, preservado o mínimo existencial, as garantias e as formas de pagamento anteriormente pactuadas. Contratos de crédito com garantia real, financiamentos imobiliários e crédito rural, não podem ser incluídos no processo de repactuação.

Se qualquer credor não comparecer á audiência conciliatória e não se justificar, poderá sofrer as seguintes sanções: – suspensão da exibilidade do débito, – interrupção dos encargos da mora, – sujeição compulsória ao plano de pagamento, – recebimento do crédito após o pagamento dos credores presentes na audiência.

Se houver acordo na conciliação a Sentença irá homologá-lo e descreverá: – o plano de pagamento da dívida, – as medidas de dilação dos prazos e redução dos encargos ou da remuneração do fornecedor, – a suspensão ou extinção de ações judiciais em curso, – a data para exclusão do consumidor dos cadastros de inadimplentes, – a condição de o consumidor se abster de condutas que agravem a situação de endividamento.

Se não houver acordo, o consumidor pode solicitar instauração de processo por superendividamento, para revisão e repactuação das dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório e haverá a citação de todos os credores que não participaram do acordo porventura existente. Os credores terão 15 dias para juntar documentos e razões pelas quais não concordam com o plano de pagamento ou com a renegociação.

Os fornecedores têm assegurados, no mínimo, o valor do principal devido, corrigido monetariamente. Os consumidores por sua vez poderão pagar a dívida em no máximo cinco anos e a primeira parcela será devida no prazo máximo de 180 dias, a contar da homologação judicial. As parcelas serão mensais, iguais e sucessivas.

O Procon, o Ministério Público e a Defensoria Pública poderão conduzir a fase conciliatória e preventiva do processo de repactuação de dívidas por meio de convênios específicos.

A Lei do superendividamento está em vigor desde o dia 1º de julho de 2021 e merece atenção tanto dos fornecedores quanto dos consumidores. Caso tenha alguma dúvida sobre esse tema, consulte o seu advogado de confiança.

[1]     https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/07/01/percentual-de-familias-com-dividas-chega-a-70percent-e-brasil-atinge-o-maior-nivel-em-11-anos-aponta-cnc.ghtml

 

Publicado por:

Dr. Henryque Resende Luna – OAB/GO 48.476

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