Exploração Sustentável da Reserva Legal
Apicultura – um exemplo sólido de desenvolvimento sustentável
A instituição obrigatória da Reserva Legal criou grande temor no imaginário dos produtores rurais, no sentido de acreditarem que a respectiva área deve permanecer intocada e de que qualquer espécie de exploração econômica seria absolutamente proibida.
O que poucos produtores sabem é que a área destinada à Reserva Legal pode, sim, ser explorada economicamente, com intuito lucrativo, desde que observadas as disposições legais. E para demonstrar a possibilidade de exploração econômica da Reserva Legal, convido os leitores a um breve passeio pelos fundamentos jurídicos desta permissão.
A Constituição Federal de 1988 garante o direito à propriedade, desde que atendida a sua função social (art. 5º, XII e XXIII)[1], e estabelece que a função social da propriedade rural é cumprida quando esta atende simultaneamente, segundo critérios de graus estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: (I) aproveitamento racional e adequado; (II) utilização adequada dos recursos naturais e preservação do meio ambiente; (III) observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e (IV) exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores (art. 186)[2].
A partir das disposições constitucionais, o Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) torna obrigatória a instituição da Reserva Legal nos seguintes termos (art. 12)[3]:
“todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal”.
A grande maioria dos produtores rurais atentam-se tão-somente à obrigatoriedade de instituição da Reserva Legal. Poucos são os que sabem que o Código Florestal institui a Reserva Legal com o objetivo, não de proibir a utilização da área, mas, sim, para racionalizar e tornar sustentável a exploração do imóvel rural.
O próprio conceito de Reserva Legal dado pelo Código Florestal revela tal objetivo. Reserva Legal é (art. 3º, III)[4]:
“a área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção da fauna silvestre e da flora nativa”.
Percebe-se, portanto, que a Reserva Legal possui vários objetivos, e, dentre eles, o de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural. A partir daí, o próprio Código Florestal regulamenta a forma pela qual pode ocorrer a exploração econômica da Reserva Legal, qual seja, mediante manejo sustentável, previamente aprovado pelo órgão competente do SISNAMA (art. 17, § 1º)[5], podendo tal exploração ocorrer sem propósito comercial, para consumo na propriedade, ou com propósito comercial, objetivando lucro (art. 20)[6].
É importante repetir e ressaltar que o manejo sustentável da vegetação da Reserva Legal com propósito comercial depende de autorização do órgão competente e não pode descaracterizar a cobertura vegetal, nem prejudicar a conservação da vegetação nativa da área, bem como deve assegurar a manutenção da diversidade das espécies e conduzir o manejo de espécies exóticas com a adoção de medidas que favoreçam a regeneração de espécies nativas (art. 22)[7].
A título de exemplo, citamos o caso em que a exploração econômica da área de Reserva Legal mostra-se, não só possível, mas, até mesmo, indicada: é o caso da apicultura. A criação de abelhas em área de Reserva Legal com intuito econômico, além de permitir ao produtor auferir lucro (renda), aumenta a atividade biológica da vegetação nativa, na medida em que intensifica a polinização. A ação das abelhas permite a formação de frutos e sementes, os quais, por sua vez, produzirão novas plantas. Voando de flor em flor, as abelhas promovem a reprodução cruzada, gerando frutos de melhor qualidade e mais sementes. Deste modo, a apicultura auxilia a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos naturais do imóvel e promove a conservação da biodiversidade, ajudando o produtor a cumprir os objetivos instituídos pela Constituição Federal e pelo Código Florestal, fazendo o imóvel cumprir sua função social, gerando renda, trabalho e garantindo a preservação e revitalização ambiental. Exemplo sólido daquilo que se denomina desenvolvimento sustentável.
Referências:
[1] Constituição Federal de 1988 – Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXII – é garantido o direito de propriedade; XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;
[2] Constituição Federal de 1988 – Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
[3] Código Florestal (Lei nº 12.651/2012)- Art. 12. Todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente, observados os seguintes percentuais mínimos em relação à área do imóvel, excetuados os casos previstos no art. 68 desta Lei: (Redação dada pela Lei nº 12.727, de 2012).
[4] Código Florestal (Lei nº 12.651/2012)- Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por: III – Reserva Legal: área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do art. 12, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa;
[5] Código Florestal (Lei nº 12.651/2012)- Art. 17. A Reserva Legal deve ser conservada com cobertura de vegetação nativa pelo proprietário do imóvel rural, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado. § 1º Admite-se a exploração econômica da Reserva Legal mediante manejo sustentável, previamente aprovado pelo órgão competente do Sisnama, de acordo com as modalidades previstas no art. 20.
[6] Código Florestal (Lei nº 12.651/2012)- Art. 20. No manejo sustentável da vegetação florestal da Reserva Legal, serão adotadas práticas de exploração seletiva nas modalidades de manejo sustentável sem propósito comercial para consumo na propriedade e manejo sustentável para exploração florestal com propósito comercial.
[7] Código Florestal (Lei nº 12.651/2012)- Art. 22. O manejo florestal sustentável da vegetação da Reserva Legal com propósito comercial depende de autorização do órgão competente e deverá atender as seguintes diretrizes e orientações: I – não descaracterizar a cobertura vegetal e não prejudicar a conservação da vegetação nativa da área; II – assegurar a manutenção da diversidade das espécies; III – conduzir o manejo de espécies exóticas com a adoção de medidas que favoreçam a regeneração de espécies nativas.
Publicado por: Petrus Ludovico
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