Negócios Jurídicos Processuais no Código de Processo Civil

O que são os Negócios Jurídicos Processuais?

 

O Código de Processo Civil – CPC -, lei nº 13. 105 sancionada em Março de 2015 e que entrou em vigor em Março de 2016, trouxe algumas inovações à Disciplina do Processo Civil.

Alguns estudiosos argumentam que o Novo Código, apelidado de Código Fux, (O Ministro Luiz Fux, do STF, coordenou a comissão de Juristas que elaborou o CPC de 2015) estabeleceu o Princípio do Respeito ao Autorregramento da Vontade no Processo Civil.

Esse novo princípio estabelece que, no ambiente processual, o direito de autorregular-se é fundamental e essa faculdade das partes no processo tem que ser exercida sem restrições irrazoáveis ou injustificadas, de forma que haja liberdade para os sujeitos do processo disciplinarem juridicamente as condutas processuais em determinado contexto. Essas condutas processuais ajustadas entre os sujeitos do processo é o que se chama de Negócios Jurídicos Processuais, ou Convenções Processuais.

 

O CPC/2015 foi pensado de forma a estimular a solução dos conflitos por autocomposição, que é a possibilidade de autorregramento entre as partes. Existem inúmeras possibilidades de negócios processuais que podem ser estabelecidas entre os sujeitos do processo. Muitos desses negócios estão positivados no CPC como também podem haver negócios processuais atípicos, desde que observados os pressupostos do artigo 190 do CPC, que diz o seguinte:

 

“Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.”

 

Logo, são dois pressupostos básicos que devem estar preenchidos para que possa haver convenções processuais: 1 – o processo versar sobre direitos que admitam autocomposição e 2 – capacidade plena das partes.

 

O parágrafo único desse artigo 190, versa sobre o controle de validades dos negócios processuais, veja:

“Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.”

 

Perceba, que o juiz somente poderá recusar a aplicação do negócio processual em caso de nulidade, inserção abusiva em contrato de adesão e manifesta situação de vulnerabilidade de uma das partes. Esse dispositivo, materializa o já mencionado Princípio do Respeito ao Autorregramento da Vontade no Processo Civil.

 

Em que momento é possível celebrar um negócio processual?

O próprio CPC dispõe que as partes podem convencionar sobre ônus, poderes, faculdades e deveres processuais ANTES ou DURANTE o processo, até mesmo na fase recursal. Ou seja, determinados negócios processuais podem ser pactuados ainda na fase contratual. Um exemplo bem claro disso é a cláusula de eleição de foro presente em quase todos os contratos particulares. Essa cláusula é um exemplo de negócio processual típico.

Contudo há limites sobre o que pode ser objeto de negócio processual. Por exemplo: as partes não podem convencionar que provas ilícitas poderão ser utilizadas no processo. Também não pode haver negócio processual que dispense o fundamento da decisão ou que imponha segredo de justiça fora das hipóteses previstas na Constituição e nas leis. Da mesma forma, as partes apenas podem convencionar sobre competência relativa do processo, as regras de competência absoluta, não podem ser objeto de negócio processual.

Outra restrição é que as partes não podem convencionar para dispensar o reexame necessário ou sobre a intervenção do Ministério Público. Segue-se a lógica de que não pode haver negócio processual sobre tema que deve ser tratado somente por lei (normas cogentes).

 

Exemplos de negócios processuais

O CPC de 2015 traz vários negócios processuais típicos, alguns já existentes no CPC 1973 foram mantidos, outros são novidades. Abordar-se-á alguns desses negócios processuais a seguir.

 

Art. 63, CPC – Convenção para eleger o foro competente

Clássica previsão praticamente universal em contratos de todas as espécies. As partes em determinado negócio jurídico podem eleger o foro competente da forma que lhes convém, desde que não convencionem alterando regra de competência absoluta; por exemplo: as demandas que envolvem direitos reais sobre bens imóveis devem tramitar no foro da localidade onde está situado o imóvel – essa regra não pode ser alterada por disposição contratual.

 

Art. 313, II, CPC – Convenção para suspensão do processo.

As partes durante o curso da demanda judicial poderão negociar para que se suspenda o processo pelo prazo máximo de 06 meses, conforme regra do parágrafo quarto desse mesmo artigo 313.

 

Art. 362, I, CPC – Convenção para adiamento da audiência.

Se ocorrer algum imprevisto que afete ambas ou alguma das partes, elas podem negociar para que se adie a audiência, nessa  hipótese o juiz fará nova designação de data para o evento.

 

Art. 373, §§ 3º e 4º – Convenção sobre a distribuição diversa do ônus da prova.

A regra é que o autor prove o fato constitutivo de seu direito e o réu prove o fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Porém, as partes ainda na fase contratual ou durante o processo, podem estabelecer que esse ônus da prova seja diferente da regra, desde que não recaia sobre direito indisponível de alguma das partes, ou torne excessivamente difícil o exercício do direito de alguma das partes.

 

Art. 509, I – Convenção para que a liquidação da Sentença seja por arbitramento.

As partes poderão celebrar acordo para que a Sentença ilíquida seja liquidada por arbitramento. Na liquidação por arbitramento, cada uma das partes é intimada a  apresentar documentos, e após isso, o juiz estabelecerá qual o valor exato da Sentença.

Esses negócios processuais descritos acima, já estavam previstos no CPC/1973 e foram replicados no CPC/2015. Porém o CPC/2015 trouxe novas hipóteses típicas de negócios processuais. São elas:

 

Art. 222, §1º, CPC – Convenção para redução de prazos peremptórios.

Essa previsão permite que as partes pactuem que os prazos peremptórios (prazo para interposição de recursos, por exemplo) possa ser reduzido. Esse acordo exige que também haja participação do juiz, as partes anuem e o juiz reduz o prazo peremptório.

 

Art. 191, CPC – Calendário Processual.

A possibilidade de as partes, junto ao juiz, estabelecerem um calendário processual é uma das grandes inovações do CPC de 2015. Essa previsão do artigo 191 do CPC, permite as partes preverem a possível duração do processo, adiantando a previsão cronológica da prolação da Sentença, ou fixar datas para atos processuais.

Uma vez que as partes e o juiz fixem o calendário, os atos ficam agendados. É possível fixar calendário para a produção de prova pericial, para atos postulatórios, ou para prática de atos decisórios ou executivos.

O enunciado 299 do Fórum Permanente de Processualistas Civis fixou a tese de que o juiz pode designar audiência apenas com o fim de ajustar com as partes a fixação de calendário para a fase instrutória e decisória.

Importante mencionar que fixado o calendário, será dispensada a intimação das partes para praticar os atos que já foram agendados e já tem data certa para acontecer. A dispensa de intimação é o principal objetivo do calendário processual.

Lembrando que o calendário processual previsto no art. 191 do CPC, exige a participação das partes e do juiz.

 

Art. 471, CPC – Convenção para escolha do Perito.

A regra é que o perito seja escolhido e nomeado pelo juiz. Porém, o art. 471 do CPC permite que as partes possam em comum acordo, escolher o perito, desde que a causa admita autocomposição. As partes ao escolherem o perito, devem nomear também no mesmo ato os respectivos assistentes técnicos, que irão acompanhar os trabalhos do perito eleito em data e local previamente designados.

 

Art. 357, § 3º, CPC – Audiência de saneamento e organização em cooperação com as partes.

Essa previsão do CPC concretiza o princípio da cooperação, visto que o juiz poderá convidar as partes a integrar ou esclarecer alegações, designando audiência para que em cooperação com as partes, faça-se o saneamento do processo, e se defina os pontos controvertidos e as partes integrem suas alegações.

 

Art. 357, § 2º, CPC – Acordo de Saneamento.

Segundo essa previsão do CPC, as partes poderão apresentar ao juiz uma delimitação consensual das questões de fato e de direito objeto da lide, para que seja homologada. Caso essa delimitação seja homologada, ela vinculará as partes e o juiz.

 

Art. 432, parágrafo único, CPC – Desistência de documento cuja falsidade foi arguida.

No CPC de 1973, uma vez arguida a falsidade documental, o exame só não seria realizada, se a parte que produziu o documento o retirasse do processo e a outra parte consentisse com o desentranhamento.

O CPC de 2015 modificou essa regra, agora não se exige mais a concordância da outra parte. Se arguido a falsidade documental, a parte que produziu o documento, poderá retirá-lo desentranhá-lo dos autos e assim não ocorrerá o exame pericial, independentemente de consentimento da outra parte.

Também há a possibilidade de existirem os negócios processuais atípicos, desde que não atentem contra normas cogentes, fica a critério das partes criarem novos negócios processuais que não estão expressamente previstos na lei. A título de exemplo, é possível que as partes celebrem negócio processual que estabeleça punição ou multa para a parte que descumprir com algum outro negócio processual celebrado, ou para a parte que atrasar culposamente ou dolosamente o calendário processual fixado.

O enunciado nº 21 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, traz a tese de que o acordo para realização de sustentação oral, acordo para ampliação do tempo de sustentação oral, acordo para julgamento antecipado do mérito convencional, convenção sobre prova e convenção sobre redução de prazos processuais, são todos admissíveis perante o Código de Processo Civil de 2015.

 

Referência Bibliográfica: Negócios Processuais/ coordenadores: Antonio do Passo Cabral, Pedro Henrique Nogueira – Salvador: Ed. JusPodivum, 2015. v1. :il. – (Grandes temas do novo DPC; coord. Geral Fredie Didier Jr.)

 

Publicado por:

Dr. Henryque Resende Luna – OAB/GO 48.476

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