Organização da Empresa Agrária – Embasamento Jurídico e Particularidades
Em meio a tantas dificuldades, intempéries econômicas, desamparo jurídico e político, as empresas agrárias brasileiras dão exemplo de perseverança e espírito cooperativo. E para mostrar a força dessas empresas, façamos uma breve análise de seu embasamento jurídico e de suas particularidades.
Utilizando a técnica legislativa de conceitos abertos, o ordenamento jurídico brasileiro não define categoricamente o que é atividade agrária ou atividade rural, ou seja, o rol de atividades constante nas mais diversas legislações é apenas exemplificativo e não exaustivo. A lei nº 4.504/1964 (Estatuto da Terra) e o Decreto nº 55.891/1965 que a regulamenta, por exemplo, listam, respectivamente, no art. 4º, inciso I, e art. 5º a exploração extrativa agrícola, pecuária ou agroindustrial. Estas legislações são relacionadas especificamente ao direito agrário. Entretanto, legislações de outras áreas do direito também contribuem para a definição do conceito de atividade agrária, como, por exemplo, a Lei nº 8.023/1990 que dispõe sobre o imposto de renda da atividade rural, define no art. 2º, para seus efeitos, o que se entende por atividade rural, dando maiores exemplos para do que os constantes na legislação agrária.
Do mesmo modo opera a Lei nº 13.288/2016 que dispõe sobre contratos de integração vertical, que no art. 2º também se esforça para ampliar o entendimento sobre atividade agrária com conceitos abertos como, por exemplo, o termo agrosilvipastoris. Podemos encontrar, ainda, maiores detalhamentos nas instruções normativas da Secretaria da Receita Federal do Brasil como, por exemplo, a IN/SRF nº 660 que dispõe sobre Contribuição para PIS/Pasep e Cofins, que nos arts. 5º e 6º define um pouco mais detidamente as atividades consideradas como agroindustriais. O importante é reconhecer que no ordenamento jurídico não há uma definição categórica ou bem delimitada sobre o que se entende por atividade agrária ou rural. Os conceitos são abertos e devem ser, em regra, analisados em cada caso concreto. Um excelente parâmetro pode ser o conceito do art. 2º, I, da Lei 8.171/1991 que dispõe sobre a política agrícola e considera atividade agrícola aquela em compreende processos físicos, químicos e biológicos, onde os recursos naturais envolvidos devem ser utilizados e gerenciados, subordinando-se às normas e princípios de interesse público, de forma que seja cumprida a função social e econômica da propriedade.
Dito isso, há que se reconhecer que a atividade agrária pode ser desenvolvida apenas para fins de subsistência, com pouca ou nenhuma produção excedente, ou de maneira profissional, com organização para a produção ou circulação de bens ou de serviços, nos termos do art. 966 da Lei nº 10.406 (Código Civil). Nesta última hipótese é que é possível falar em empresa agrária, pois que este mesmo diploma legislativo permite à pessoa física (art. 971) ou jurídica (art. 984) que exerce profissionalmente a atividade rural requerer sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis para receber o tratamento específico de empresa e os respectivos benefícios.
É importante ressaltar que existe um embate doutrinário e jurisprudencial acerca da natureza jurídica deste registro. Para as empresas em geral, o registro é constitutivo, ou seja, a empresa nasce a partir do registro. Entretanto, como a legislação dá a opção, a faculdade, para o empresário agrário de registrar ou não a empresa, há um forte entendimento de que o registro de empresas agrárias é meramente declaratório, isto é, o nascimento da empresa não se dá a partir do registro, ele é reconhecido desde o início das atividades. Há muita divergência sobre o assunto, o que acaba causando muita insegurança jurídica, principalmente pelo fato de que os tribunais brasileiros proferem decisões diametralmente opostas em casos praticamente idênticos. De qualquer maneira, as vantagens do registro são imensas e a sua previsão na legislação foi um enorme salto para o desenvolvimento da empresa agrária.
A tardia segurança jurídica e a falta de execução de políticas públicas específicas para o setor fez com que a iniciativa privada encontrasse o próprio caminho rumo ao fortalecimento da empresa agrária. É neste cenário que se fala em cooperativismo agrário. A possibilidade de ações coletivas e as diversas formas de execução – como associações (art. 5º, XVII, CRFB/88 e art. 53, Lei nº 10.406), cooperativas (art. 5º, XVIII, CRFB e Lei nº 5.764/1971), arranjos produtivos locais e até mesmo contratos de integração vertical (Lei nº 13.288/2016)– foi o que permitiu o desenvolvimento e o fortalecimento da empresa agrária mesmo quando desamparada jurídica e politicamente.
Numa análise político-filosófica, com alusão aos princípios da revolução francesa, podemos dizer que o princípio da liberdade permitiu o exercício da atividade agrária e o nascimento da empresa agrária no mundo dos fatos. Por sua vez, o princípio da igualdade transportou a empresa agrária para o mundo jurídico, garantindo paridade no modelo de produção capitalista. E, por fim, o princípio da fraternidade (exercido pelo que chamamos de cooperativismo) permitiu a consolidação e o fortalecimento da empresa agrária nos mais variados níveis, da micro à grande produção, impactando diretamente nos mercados internos e internacionais.
Referências
BRASIL. Código Civil (2002). Lei nº 10.406. Brasília-DF: Senado, 2002.
BRASIL. Constituição Federal (1998). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília-DF: Senado, 1988.
BRASIL. Estatuto da Terra. Lei nº 4.504. Brasília-DF: Senado, 1964.
BRASIL, Felipe Costa. Empresa Agrária. – Rio de Janeiro: Grupo Ibmec Educacional, 2018.
BRASIL. Instrução Normativa nº 660. Brasília-DF: Secretaria da Receita Federal, 2009.
BRASIL. Lei nº 8.023. Brasília-DF: Senado, 1990.
BRASIL. Lei nº 13.288. Brasília-DF: Senado, 2016.
BRASIL. Política Agrícola. Lei nº 8.171. Brasília-DF: Senado, 1991.
BRASIL. Política de Cooperativismo. Lei nº 5.764. Brasília-DF: Senado, 1971.
BRASIL. Regulamento do Estatuto da Terra. Decreto nº 55.891. Brasília-DF: Senado, 1965.
BURANELLO, Renato. Manual do Direito do Agronegócio. 2ª ed. – São Paulo: Saraiva Educacional, 2018.
BURANELLO, Renato Macedo; SOUZA, André Ricardo Passos de; PERIN JUNIOR, Ecio (Coord.). Direito do Agronegócio: Mercado, Regulação, Tributação e Meio Ambiente – São Paulo: Quartier Latin, 2011.
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RIZZARDO, Arnaldo. Direito do Agronegócio. 4ª ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2018.
Publicado por: Petrus Ludovico
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